Um escritor nos primeiros tempos da era cristã chamado Gregório descreve a lepra como uma doença horrível. “A doença carcome a carne e os ossos da vítima ao ponto de não poder ser reconhecida. Os leprosos têm que dizer: “Sou o filho de fulano, ou minha mãe se chama Judite, ou eu era teu amigo, brincávamos juntos”. “Eles não podiam ser reconhecidos pelo que eram antes. Comidos pela enfermidade perdiam o dinheiro, seus pais e mais ainda, os seus corpos”. “Uma mãe, gostaria de abraçar seu filho, porém temia o seu corpo mais que a um inimigo”.
E por isso as leis proibiam que os leprosos entrassem nas cidades ou viajassem pelas rodovias públicas, e se por acaso o fizessem, deviam ir tocando uma campainha para que, se algum distraído andasse por perto, não se aproximasse deles. Os leprosos não podiam tampouco tocar as águas dos lagos e dos rios. É difícil imaginar a trágica situação porque hoje temos os antibióticos e as vacinas que curam a lepra.
Algumas pessoas pouco informadas, podem erradamente fazer uma comparação com a AIDS. Eu pessoalmente visitei muitos doentes aidéticos nos hospitais, e lembro que a primeira vez, senti medo. Mas depois aprendi que eu podia me aproximar deles, tocá-los e abraça-los sem problema de contagio. A pandemia Covid19 pode nos dar uma leve ideia do que era a lepra naquele tempo.
Hoje talvez nos escandalizemos ao ver a violência das leis antigas que enxotavam os hansenianos para fora da convivência social, mas não percebemos e nem nos envergonhamos de como nós, e nossa sociedade tratamos os leprosos de hoje: Há leprosos modernos nas nossas cidades e nas nossas ruas, que são enxotados para fora e discriminados como era no tempo em que Jesus andava pelas vias da Palestina: as vítimas das drogas, as prostituas, os ex presidiários, os pobres. O Padre Lancelotti na semana passada fez uma veemente denúncia ao protestar contra as autoridades que mandaram colocar pedras debaixo da ponte a fim de impedir que os pobres se agasalhassem da chuva e do sol. Os pobres sem teto são enxotados dos centros das cidades e até de debaixo das pontes.
Há pais que expulsam o filho ou a filha transexual como se os filhos tivessem culpa por haver nascido assim, e então são enxotados no lamaçal da prostituição.
Vivemos numa sociedade sem piedade. Sabemos como é difícil para um ex presidiário integrar-se novamente na sociedade, ele fica marcado para sempre, de maneira especial aqui nos USA onde as leis parecem funcionar melhor mas que `as vezes são por demais impiedosas.
Há apenas 50 anos atrás aqui nos USA os negros não podiam entrar nos mesmos bares ou no mesmo ônibus frequentados por brancos, e pouca gente se envergonhava disso. Hoje, apesar da luta pelos Direitos Humanos ainda persistem situações semelhantes. E o problema subsiste.
A nossa sociedade também tem as suas formas dissimuladas para manter isoladas muitas pessoas. Mesmo entre nós existe algo disso. Nunca aconteceu ver uma pessoa tímida, isolada o tempo todo do grupo, sem ninguém se aproximar dela? Uma vez uma jovem me contou que estava numa festa juvenil onde todas as meninas falavam alto rindo-se entre gargalhadas enquanto ela ficava de lado. No final da noite uma delas sorrindo se aproximou e lhe disse: “ Me imagino que você deve estar pensando que somos todas loucas aqui”. Ela sentiu vontade de lhe dizer: “Não são loucas, senão insensíveis e mal-educadas”.
Eu me sinto mal toda vez que enxergo o hispano, um morador de rua que todos os dias vem passar horas dentro da nossa igreja, bem aquecida. Quando alguém mais entra na igreja, ele sai pela porta dos fundos. Alguém o deve ter discriminado para ele se sentir discriminado. E não falta quem desconfie que ele poderia contagiar com o vírus do Covid19 porque vive na rua. São situações complicadas.
Jesus não tem esse problema. Ele se aproxima, toca, cura e restitui a dignidade. Ele manda o leproso apresentar-se ao sacerdote do Templo para que o declare puro e lhe dê a permissão para poder ingressar nos lugares públicos como todos.
Jesus faz uma denúncia à nossa sociedade, e nos ensina a ser mais sensíveis com as pessoas.
Quem sabe você teve uma experiência com pessoas marginalizadas e rotuladas! Quem sabe, você mesmo sentiu na pele a discriminação por diferentes motivos!
Há lepras que vão crescendo dentro de nós e nos afetam porque vão nos comendo o corpo, a alma e as emoções, e precisamos ser curados. “ Se queres, podes curar-me”: do ressentimento, das mágoas, do ciúme exagerado, da intolerância, do racismo, da discriminação, da soberbia, do orgulho, curai-nos Senhor. – “ Eu quero, fica curado, diz Jesus.
Mas toda cura é um processo. “Vai, mostra-te ao sacerdote do Templo e oferece pela tua purificação, o que Moisés ordenou”.
Nessa semana vamos iniciar a Quaresma com a Quarta Feira de Cinzas, ponto inicial de um processo de cura e purificação das nossas lepras.
Published on February 14, 2021